(COMENTÁRIOS DE DR. PLINIO CORREA DE OLIVIRA SOBRE A SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA)
Entoado por Nossa Senhora no encontro com Santa
Isabel, o Magnificat é um maravilhoso
hino inspirado pelo Altíssimo, e Deus cantando sua própria glória pelos lábios
da mais amada das suas filhas. É, também, uma linda mensagem, coerente, lógica
e séria, que Ele transmitiu a todos os homens de todos os séculos, pela voz
virginal de Maria.
O cântico se inicia com a palavra Magnificat – do latim magnus, isto é, grande – para enaltecer
Aquele que é a Grandeza personificada, reconhecendo que Deus merece este superlativo
de louvor e de honra na sua glória extrínseca, passível de crescimento, por
haver realizado n’Ela, Virgem bendita, o cumprimento da maior e mais
alvissareira promessa divina feita à humanidade: a Encarnação do Verbo.
A exultação em Deus, seu Salvador
Então a alma d’Ela se apressa em extravasar o
seu sentimento de profunda gratidão,
proclamando como o Senhor assim se revelava o magno por excelência.
Em seguida vem a alegria: Et exsultavit spiritus meus in Deo salutari meo – “E o meu espírito
exulta!”
Exultar é sentir um júbilo intenso, e não uma
qualquer satisfação, como a que poderia experimentar alguém se soubesse que os
seus investimentos rendessem um pouco além do esperado. Esta seria uma alegria
pequena, perto daquela que se exprime pela palavra “exultação”. Por isso Nossa
Senhora a emprega, para significar como seu espírito transbordou de gáudio em
relação a Deus, o seu magnífico Salvador.
Essa felicidade se mostra tanto mais intensa
quanto, conforme o pensamento que se completa no versículo seguinte, Ela
considera a sua pequenez e vê como Deus a salvou de modo extraordinário,
super-excelente, não só fazendo d’Ela a Mãe do Verbo Encarnado, mas dispondo
que Ela tivesse em toda a existência de Nosso Senhor Jesus Cristo o papel
admirável que sabemos.
Legítima alegria por ter sido
engrandecida
Depois de afirmar a sua exultação, a Santíssima
Virgem manifesta então o motivo dessa imensa alegria: Quia respexit humilitatem ancillae suae – “porque Deus olhou para a
humildade da sua Serva”. Em conseqüência dessa atenção do Senhor para com Ela, ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes
generationes, isto é, todos os homens até o fim do mundo, vão por sua vez
enaltecê-La, chamando-A “bem-aventurada”. Quia
fecit mihi magna qui potens est – “porque me grande Aquele que é poderoso”.
Percebe-se aqui, mais uma vez, o gáudio de Maria por ter sido objeto de um
especial desígnio do Onipotente: Ela, tão humilde, tornou-se grande pela força
d’Ele.
Há, nessa mensagem, um interessante ensinamento
que deve ser considerado.
Alegrando-se com a grandeza divina, Nossa
Senhora ao mesmo tempo se alegra com o fato de ter sido também engrandecida por
uma condescendência d’Ele, e sabe que essa sua magnitude Lhe valeria o louvor e
a devoção das gerações vindouras. É uma glória única, que a cobre de
felicidade, e pela qual, cheia de reconhecimento, agradece a Deus.
Ora, essa atitude de Nossa Senhora aceitando,
auferindo e amando a própria excelência, demonstra como é legítimo nos
alegrarmos com a grandeza que Deus eventualmente nos conceda. Desde que, a
exemplo de Maria, esse júbilo esteja alicerçado no amor a Ele, compreendendo
que essa glória estabelece uma relação mais íntima entre nós e o Criador.
Et
sanctum nomem eius – “E o Seu
Nome é Santo”. Quer dizer, “Deus agiu assim para comigo, e procedeu
santamente”. Essa fabulosa obra que o Senhor realiza na sua serva, vinha
marcada pela infinita perfeição com que Ele modela tudo quanto sai de suas mãos
onipotentes.
Misericórdia para os que
temem a Deus
Após ter manifestado de tal maneira a grandeza
de Deus e a sua própria, Nossa Senhora evoca o aspecto de bondade: Et misericordia eius e progenie in
progenies, timentibus eum – “e a misericórdia d’Ele se estende de geração
em geração, sobre aqueles que O temem”.
Significa que o fato de Deus A ter feito tão
grande redunda num benefício e numa obra de misericórdia de que se aproveitarão
todos os homens em todas as épocas da História. Com uma restrição, porém: timentibus eum – aqueles que teme a Ele.
Eis outra importante lição a ser tirada do Magnificat.
O temor ser divide em servil e reverencial. O
temor servil é aquele que tem, por exemplo, um escravo ao fazer a vontade de
seu dono pelo receio de sofrer duros castigos se não obedecer. O temor
reverencial é aquele que alguém demonstra em relação a outrem, não por medo das
penalidades que lhe possa infligir, mas por respeito e veneração pela
superioridade dele, por não querer ultrajá-lo nem violar a obediência que deve
a ele.
Um exemplo maravilhoso de temor reverencial
encontramos nas ardorosas palavras que Santa Teresa de Jesus dirige a Nosso
Senhor: “Ainda que não houvesse Céu, eu vos amara; ainda que não houvesse
inferno, eu vos temera”. Quer dizer, ainda que Deus não lançasse à geena
aqueles que se revoltam contra Ele, por ser Ele quem é e pelos infinitos
títulos que Ele possui acima de nós, temeríamos não fazer a vontade d’Ele. É
essa a forma altíssima e nobilíssima do temor reverencial.
Então, aos que amam a Deus com um amor tal que
até O teme – não apenas por causa do inferno, mas sobretudo por não querer
desagradá-Lo na sua infinita santidade -, para estes se abre e inesgotável
misericórdia de Deus: et misericordia
eius a progenie in progenies, timentibus eum.
Cumpre salientar que, muitas vezes, a bondade divina
não se prende a essa restrição, superando-se em requintes de solicitude até
mesmo para com homens que pouco ou nenhum temor de Deus experimentavam, antes
de serem tocados pela graça e se converterem.
Pode-se supor, por exemplo, que São Paulo na
vida de Damasco não tivesse temor de Deus. Mas, atingido por um raio, ele caiu
do cavalo, perdeu a visão, e logo ouviu a voz de Nosso Senhor que o
interpelava. Quando se levantou, era outro homem, tornando-se o grande Apóstolo
dos gentios. Era uma extraordinária ação da misericórdia divina – muito
provavelmente a rogos de Maria – estendendo-se sobre uma alma que até então não
temia a Deus.
Queda dos soberbos e
exaltação dos humildes
Fecit
potentiam in brachio suo, dispersit superbos mente cordis suis – “Manifestou o poder do seu
braço, e dissipou aqueles que se orgulhavam nos pensamentos do seu coração”.
Entendamos o que significa “manifestar o poder
de seu braço”. Trata-se de uma metáfora, pois Deus puro espírito, não possui
braço. Este, porém, é no homem o membro pelo qual ele mostra a sua força e
executa os decretos de sua inteligência e de sua vontade. Então, ao se referir
ao “braço de Deus”, Nossa Senhora nos faz ver como Ele age energicamente em
relação aos soberbos e orgulhosos, àqueles que se fecham para a ação da graça e
não O temem nem O amam nos seus corações. Para com esses, Deus manifesta o
poder de seu braço.
O pensamento se completa no versículo seguinte:
Deposuit potentes de sede, et exaltavit
humiles – “Depôs de seus tronos os poderosos, e exaltou os humildes”.
Por meio da Encarnação do Verbo, Deus quebrou o
poder com que o demônio e seus sequazes neste mundo atormentavam os bons.
Então, depôs aqueles de seus tronos, e exaltou aqueles que eram perseguidos.
Alguém poderia objetar: “Mas, Dr. Plínio, não
foi o que aconteceu. Deu-se o contrário! Anás, Caifás, Pilatos e congêneres,
todos se achavam nos seus tronos, perseguiram e mataram Nosso Senhor!”
É verdade. Mas essa história não está narrada
até o fim. Porque depois de Jesus ter sido morto, aconteceu precisamente o que
aqueles poderosos queriam evitar. Ele ressuscitou, triunfando sobre a morte e
sobre todos os seus algozes. Com Ele, triunfava a Santa Igreja, venciam os
Apóstolos e Nossa Senhora, os humildes até então desprezados. E para todo o sempre,
serão estes glorificados e exaltados, enquanto Anás, Caifás e Pilatos serão
mencionados com vitupério e horror. Então se comprovou a veracidade do dito: deposuit potentes de sedes, et exaltavit
humiles.
Essa idéia ainda prevalece na seqüência do cântico: Esurientes implevit bonis, et divites dimisit inanes – “Cumulou de
bens os famintos, e despediu os ricos com mãos vazias”.
Nossa Senhora não pretende fazer aqui uma
alusão aos recursos materiais ou financeiros. Ela se refere, antes de tudo, aos
que se acham na carência de bens espirituais, aos indigentes das dádivas
celestiais. A esses pobres de espírito que, humildemente, suplicam essas
graças, Deus os atende na abundância infinita de sua misericórdia. Pelo
contrário, aos “ricos”, àqueles que se julgam inteiramente satisfeitos no seu
orgulho, Deus os despede de mãos vazias, isto é, sem torná-los partícipes do
tesouro de seus dons sobrenaturais.
Em Maria, cumpre-se a
promessa feita a Abraão
Por fim, Nossa Senhora volta à idéia central
que inspira esse hino maravilhoso: Suscepit
Israel puerum suum: recordatus misericordiae suae – Tomou cuidado de
Israel, seu servo, lembrando da sua misericórdia”.
Quer dizer, o Povo Eleito receberia em breve o
Messias há milênios prometido, a Quem Deus enviaria ao mundo, recordando que
sua misericórdia assim havia disposto. Daí a conclusão: Sicut locuus est ad patres nostros, Abraham et semini eius in seacula –
“Conforme tinha dito a nossos pais, à Abraão e à sua posteridade para
sempre”.
A promessa feira a Abraão, fundador da raça
hebraica, e aos descendentes dele ao longo dos séculos, de que o Salvador
nasceria de sua progênie, acabava de ser cumprida. Nossa Senhora já trazia em
seus claustro materno o Esperado das nações. Ela, uma filha de Abraão, daria à
luz o Filho de Deus.
E assim o Magnificat,
esta jóia inapreciável, este maravilhoso cântico de sabedoria, humildade e
grandeza, muito harmoniosamente se encerra pensando na Encarnação do Verbo,
como o fizera na primeira estrofe.
(Revista “Dr. Plínio”, nº 64,
julho de 2003).