terça-feira, 1 de outubro de 2013

A participação dos Anjos na História da Salvação


DIA DOS ANJOS CUSTÓDIOS - 2 DE OUTUBRO 

(Audiência geral de João Paulo II, de quarta-feira, 6 de agosto de 1986, publicado pelo L’Ossevartore Romano)

1. Nas últimas catequeses vimos como a Igreja, iluminada pela luz que provém da Sagrada Escritura, tem professado ao longo dos séculos a verdade sobre a existência dos anjos como seres puramente espirituais, criados por Deus. O tem feito desde o começo com o Símbolo niceo-constantinopolitano e o tem confirmado no Concílio Lateranense IV (1215), cuja formulação voltou no Concílio Vaticano I no contexto da doutrina sobre a criação: Deus “criou do nada juntamente ao princípio do tempo, a ambas classes de criaturas: as espirituais  e as corporais, quer dizer, o mundo angélico e o mundo terrestre; e depois, a criatura humana que, composta de espírito e corpo, os abarca, de certo modo, aos dois”  (Const. De fide Cath... DS 3002).  Ou seja: Deus criou desde o princípio ambas realidades: a espiritual e a corporal, o mundo terreno e o angélico. Tudo o que Ele criou juntamente (“simul”) em ordem à criação do homem, constituído de espírito e de matéria e colocado segundo a narração bíblica no quadro de um mundo já estabelecido segundo suas leis e já medido pelo tempo (“deinde”). 
2. Juntamente com a existência, a fé da Igreja reconhece certos graus distintivos da natureza dos anjos.  Sua fé puramente espiritual implica antes de tudo sua não materialidade e sua imortalidade. Os anjos não têm “corpo”  (se bem que em determinadas circunstâncias se manifestam sob formas visíveis por causa de sua missão em favor dos homens), e portanto não estão submetidos à lei da corruptibilidade que une todo o mundo material  Jesus mesmo, referindo-se à condição angélica, dirá que na vida futura os ressuscitados “não podem morrer e são semelhantes aos anjos”  (Lc 20, 36).
3. Enquanto criaturas de natureza espiritual, os anjos estão dotados de inteligência e de livre vontade, como o homem, porém em grau superior a ele, se bem que sempre finito, pelo limite que é inerente a todas as criaturas. Os anjos são, pois, seres pessoais e, enquanto tais, são também eles “imagem e semelhança” de Deus.  A Sagrada Escritura se refere aos anjos utilizando sempre apelativos não só pessoais (como os nomes próprios de: Rafael, Gabriel, Miguel), senão também “coletivos”  (com as qualificações de: Serafins, Querubins, Tronos, Potestades, Dominações, Principados), assim como realiza uma distinção entre Anjos e Arcanjos. Ainda tendo em conta a linguagem analógica e representativa do texto sacro, podemos deduzir que estes seres-pessoas, quase agrupados em sociedade, se subdividem em ordens e graus, correspondentes à medida de sua perfeição e às tarefas que se lhes confia. Os autores antigos e a mesma liturgia falam também dos coros angélicos (nove, segundo Dionísio o Areopagita). A teologia, a especialmente a patrística medieval, não tem recusado estas representações, tratando em troca de dar-lhe uma explicação doutrinária e mística, porém sem atribuir-lhes um valor absoluto. São Tomás preferiu aprofundar as investigações sobre a elevação espiritual destas criaturas puramente espirituais, tanto por sua dignidade na escala dos seres, como porque nelas podia aprofundar melhor as capacidades e atividades próprias do espírito no estado puro, tirando disso não pouca luz para iluminar os problemas de fundo que desde sempre agitam a estimulam o pensamento humano:  o conhecimento, o amor, a liberdade, a docilidade a Deus, a consecução de seu reino.
4. O tema a que temos aludido poderá parecer “alheio” ou “menos vital’ à mentalidade do homem moderno. E sem embargo a Igreja, propondo com franqueza toda a verdade sobre Deus criador inclusive dos anjos, crê prestar um grande serviço ao homem. O homem tem a convicção de que em Cristo, Homem-Deus, é ele (e não os anjos) que se acha no centro da Divina Revelação. Pois bem, o encontro religioso com o mundo dos seres puramente espirituais se converte em preciosa revelação de que seu ser não é só corpo, mas também espírito, e de sua pertinência a um projeto de salvação verdadeiramente grande e eficaz dentro de uma comunidade de seres pessoais que para o homem e com o homem servem ao desígnio providencial de Deus.
5. Notamos que a Sagrada Escritura e a Tradição chamam propriamente anjos àqueles espíritos puros que na prova fundamental de liberdade elegeram a Deus mediante o amor consumado que brota da visão beatífica face a face, da Santíssima Trindade. O diz o mesmo Jesus: ”Seus anjos vêem de contínuo no céu a face de meu Pai, que está nos céus”  (Mt 18, 10). Esse “ver de contínuo a face do Pai” é a manifestação mais alta da adoração de Deus. Se pode dizer que constitui essa “liturgia celeste”, realizada em nome de todo o universo, à qual se associa incessantemente a liturgia terrena da Igreja, especialmente em seus momentos culminantes. Baste recordar aqui o ato com que a Igreja, cada dia e cada hora, no mundo inteiro, antes de dar início à prece eucarística no coração da Santa Missa, se apela “aos Anjos e aos Arcanjos” para cantar a glória de Deus três vezes Santo, unindo-se assim àqueles primeiros adoradores de Deus, no culto e no amoroso conhecimento do mistério inefável de sua santidade.
6. Também segundo a Revelação, os anjos que participam na vida da Trindade na luz da glória, estão também chamados a ter sua parte na história da salvação dos homens, nos momentos estabelecidos pelo desígnio da Providência Divina. “Não são todos esses espíritos ministros, enviados para serviço em favor dos que vão herdar a salvação?”, pergunta o autor da Carta aos Hebreus (1, 14). E isto crê e ensina a Igreja, baseando-se na Sagrada Escritura, pela qual sabemos que é tarefa dos anjos bons a proteção dos homens e a solicitude por sua salvação.
Encontramos estas expressões em diversas passagens da Sagrada Escritura, como por exemplo no Salmo 90/91, citado já repetidas vezes: “Pois te encomendarás a seus anjos para que te guardem em todos teus caminhos, e eles te carregarão em suas mãos para que teus pés não tropecem nas pedras” (Sl 90/91, 11-12). Jesus mesmo, falando dos meninos e admoestando a não escandalizá-los, apela a seus “anjos”  (Mt 18, 10). Ademais, atribui aos anjos a função de testemunhos no supremo juízo divino sobre a sorte de quem tiver reconhecido ou renegado a Cristo: “A quem me confessar diante dos homens, o Filho do homem o confessará diante dos anjos de Deus”  (Lc 12, 8-9; cf Apoc 3, 5). Estas palavras são significativas porque se os anjos tomam parte no juízo de Deus, estão interessados na vida do homem. Interesse e participação que parecem receber uma acentuação no discurso escatológico, em que Jesus faz intervir os anjos na parusia , ou seja, na vinda definitiva de Cristo ao final da história (cf Mt 24, 31; 25,31-41).
7. Entre os livros do Novo Testamento, os Atos dos Apóstolos nos fazem conhecer especialmente alguns episódios que testemunham a solicitude dos anjos pelo homem e sua salvação. Assim, quando o anjo de Deus liberta os Apóstolos da prisão (ct. At 5, 18-20), e antes de todos a Pedro, que estava ameaçado de morte por mão de Herodes (cf At 12, 5-10).  Ou quando guia a atividade de Pedro a respeito do centurião Cornélio, o primeiro pagão convertido (At 10, 3-8; 11, 12-13), e analogamente a atividade do diácono Felipe no caminho de Jerusalém a Gaza (At 8, 26-29).
Destes poucos fatos citados a título de exemplo, se compreende como na consciência da Igreja se pode formar a persuasão sobre o ministério cofiado aos anjos em favor dos homens. Por isso a Igreja confessa sua fé nos anjos custódios, venerando-os na liturgia com uma festa especial, e recomendando  o recurso à sua proteção com uma oração freqüente, como na invocação do “Anjo de Deus”. Esta oração parece enriquecer as belas palavras de São Basílio: “Todo fiel tem junto a si um anjo como tutor e pastor para levá-lo à vida”  (cf. São Basílio, Adv. Eunomium, III, 1; veja-se também São Tomás, S. Th., I, q. 11, a.3).
8. Finalmente é oportuno anotar que a Igreja honra com culto litúrgico a três figuras de anjos, que na Sagrada Escritura se lhes chama com um nome. O primeiro é Miguel Arcanjo ( cf. Dan 10, 13-20;  Apoc. 12, 7; Judas 1, 9). Seu nome expressa sinteticamente a atitude essencial dos espíritos bons. “Mica-El significa com efeito: “Quem como Deus?”.  Neste nome se acha expressa pois a eleição salvífica graças à qual os anjos “vêem a face do Pai” que está nos céus. O segundo é Gabriel: figura vinculada sobretudo ao mistério da Encarnação do Filho de Deus (cf Lc 1, 19-26). Seu nome significa: “Meu poder é Deus” ou “Poder de Deus”, como para dizer que o ápice da criação, a Encarnação, é o sinal supremo do Pai Onipotente. Finalmente o terceiro arcanjo se chama Rafael. “Rafa-El’ significa: “Deus cura”. Ele se fez conhecer pela história de Tobias no Antigo Testamento (cf Tob 12, 15-20), etc.). É muito significativo o fato de que Deus confie aos anjos seus pequenos filhos, sempre necessitados de custódia, cuidado e proteção. Refletindo bem se vê que cada uma destas três figuras: Mical-El, Gabri-El e Rafa-El refletem de modo particular a verdade contida na pergunta posta pelo autor da Carta aos Hebreus: “Não são todos esses espíritos ministros, enviados para serviço em favor dos que vão herdar a salvação?”  (Heb 1, 14). 


(texto extraído do livro “Juan Pablo II: Los Ângeles”, Secretariado del Opus Angelorum de Bogotá, e adaptado pelas Servas dos Corações Traspassados de Jesus e Maria).


Nenhum comentário: