sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Os Santos Anjos, criaturas exclusivamente espirituais







Os Anjos, cujo significado é “mensageiros”, são puros espíritos que, estando na presença de Deus, gozam de Sua graça, isto é, participam da vida divina e O contemplam face a face abrasados em amor e na plena posse da felicidade eterna. Refletem eles mais perfeitamente a imagem de Deus, cada um a seu modo, como o Seu Amor, Sua beleza, Sua bondade, Seu poder, Sua Justiça, enfim, todos os atributos divinos.
Deus os criou de forma hierarquizada, havendo sempre um Anjo superior a outro num sentido vertical. A desigualdade entre os Anjos é maior do que entre os homens. Não existe dois Anjos iguais, nem sequer semelhantes, pois cada Anjo foi feito por Deus de uma espécie diferente. Os seres materiais criados por Deus têm gênero e espécie, como a espécie animal e o gênero humano a ela pertencente. Pois bem, os homens são semelhantes entre si por pertencerem à mesma espécie e mesmo gênero, mas os Anjos são tão diferentes um do outro que nem sequer um pertence à espécie do outro. O termo “espécie” é aplicado inadequadamente entre os Anjos, pois sendo eles de natureza simples, não poderiam se constituir em espécies como o são os seres materiais. Isto quer indicar, entretanto, através de nossa pobre linguagem, a total diferença e distinção que há entre eles. 
A quantidade de seres angélicos é muito maior do que a soma de todos os homens que existiram e existirão até o fim do mundo. São Tomás de Aquino compara a diferença que há na quantidade de homens com a de Anjos, dizendo que se todos os Anjos formassem um tapete os homens só dariam para formar as franjas deste tapete. O homem é tão incapaz de entender a quantidade de Anjos que os estudiosos se referem ao número deles com a palavra miríade, pois os termos milhões e bilhões são inadequados e muito inferiores à realidade numérica. Na Sagrada Escritura constam dados numéricos dos Anjos em Daniel: “eram milhares de milhares os que o serviam, e mil milhões os que assistiam diante dele” (Dan 7, 10); e no Apocalipse: “e o número deles era de miríades de miríades e de milhares de milhares” (Apoc 5, 11). “Milhares de milhares”, quer dizer milhares multiplicado por milhares, assim como “miríades de miríades”.
São eles indizivelmente belos, nada neste mundo pode nos dar idéia de sua glória resplendente. O único pintor que conseguiu dar uma palidíssima idéia de um Anjo foi o famoso Beato Fra Angélico (Guido di Pietro, séc. XIV), que fez Miguel Ângelo exclamar ao ver suas figuras angélicas: Fra Angélico teve ter pintado estes Anjos em êxtase, contemplando-os no Céu!  No entanto, mesmo tendo provavelmente visto um Anjo antes de pintá-lo, Fra Angélico não nos dá uma idéia, nem sequer longínqua, da beleza angelical.
São João Evangelista em seu Apocalipse, apesar de ter visto vários anjos em muitas oportunidades em suas visões, tal foi a beleza de um, ao final, que quis prostrar-se e adorá-lo: “Depois de as ter ouvido e visto, prostrei-me aos pés do anjo, que mas mostrava, para o adorar, porém ele disse-me: Vê, não faças tal, porque eu sou servo como tu, como teus irmãos os profetas e como aqueles que guardam as palavras da profecia deste livro. Adora a Deus”  (Apoc. 22, 8-9).
Santa Brígida, que Deus favoreceu com visões angelicais, diz-nos que se víssemos algum Anjo em toda a sua beleza, esta visão nos arrebataria em tal êxtase de gozo que morreríamos de amor.
São Bernardo lembra a seus monges que o Ofício Divino é recitado na presença de Deus e de seus Anjos. Tal afirmação é feita por haver o próprio Santo Fundador constatado esta realidade, pois costumeiramente ele via os Santos Anjos salmodiando entre os monges.
Santa Francisca Romana era favorecida pela presença constante de seu Anjo da Guarda. Via ela, também, os Anjos saindo das mãos do Criador formando uma como neve densíssima. Dizia ela que se algum Anjo nos aparecesse em todo o seu esplendor, a luz do sol e das estrelas nos pareceriam pálidas comparadas com a deleQuando era ainda criança, a santa viu o seu Anjo da Guarda, que foi assim descrito por ela: Era de uma beleza incrível, com uma cútis mais branca que a neve e um rubor nas faces que superava o arrebol das rosas. Seus olhos estavam sempre abertos e voltados para o céu e seu cabelo anelado tinha a cor do ouro brunido. Sua túnica chegava ao solo e era de um branco algo azulado e, outras vezes, com clarões avermelhados.
A Beata Ângela de Foligno, dizia que via Jesus Cristo descer dos Céus cercado de inumeráveis cortes flamejantes, de tal modo que, se ela não soubesse que Deus tudo faz por medida, acreditaria não haver conta para tais esplendores. Tamanho era o número que a vista e o espírito desnorteavam; a tal ponto era a enchente de luz o que nós chamamos comprimento, largura e profundidade. O abismo parecia ter todas essas dimensões para mais se alargar até ao infinito.
Imagine agora o leitor como deve ser deslumbrante e arrebatadora a beleza da Jerusalém Celeste, o Céu Empíreo, composto com todos os miríades de Anjos que Deus criou.
Estão eles divididos em 9 Coros e 3 grandes hierarquias. Os Serafins, Querubins e Tronos pertencem à primeira Hierarquia e contemplam e glorificam a Deus continuamente; Dominações, Virtudes e Potestades pertencem à segunda Hierarquia e ocupam-se do governo do universo; finalmente, temos os Principados, Arcanjos e Anjos, da terceira e última Hierarquia, que executam as ordens de Deus. Na Epístola aos Colossenses, São Paulo fala explicitamente dos tronos, dominações, principados e potestades (Col 1, 16), enquanto o Profeta Isaías nos diz como são os Serafins: “Os serafins estavam por cima do trono; cada um deles tinha seis asas; com duas cobriam a sua face, com duas cobriam os pés e com duas voavam” (Is 6, 2).
São Boaventura, em sua obra “Brevilóquio”, diz que os Anjos possuem quatro atributos: simplicidade de essência, distinção pessoal, faculdade racional (com memória, entendimento e vontade) e livre arbítrio para escolher o Bem e desejar o Mal. A estes quatro atributos principais se somam outros quatro: eficácia no obrar, diligência no servir, perspicácia no conhecer e imutabilidade depois da escolha, seja no bem ou seja no mal. Conclui o Doutor Seráfico: “Esta substância [angélica], pelo fato de ser simples está dotada de eficácia no obrar; pelo fato de ser eficaz e pessoalmente distinta, lhe corresponde a diligência no servir; pelo fato de ser simples e eficaz, lhe corresponde a perspicácia no discernir; pelo fato de ser simples e perspicaz, tem entendimento deiforme, e por isso, depois da eleição, permanece estável naquilo que elege, seja bom ou seja mau. Estas qualidades acompanham sempre a mesma natureza geral dos espíritos superiores”  [i] 
Em outra obra do mesmo Santo, “Itinerário da Mente para Deus”, ele comenta: “...diz São Bernardo ao Papa Eugênio que “Deus ama, como caridade, nos Serafins; conhece, como verdade, nos Querubins; senta-se, como justiça, nos Tronos; domina, como majestade, nas Dominações; rege, como princípio, nos Principados; protege, como salvação, nas Potestades; opera, como força, nas Virtudes; revela, como luz, nos Arcanjos; assiste, como bondade, nos Anjos” [ii] .
Os Anjos que permaneceram fiéis a Deus, também chamados “Filhos de Deus”, são executores da vontade divina, auxiliam aqueles que temem a Deus, protegem regiões, países e instituições, além das próprias pessoas humanas. O Apóstolo São Paulo diz que as mulheres devem cobrir a cabeça na igreja por causa dos Anjos (I Cor 11, 10).
O Catecismo da Igreja Católica assim se expressa sobre os anjos na questão 329:
“Santo Agostinho diz a respeito deles: “Angelus officii  nomen est, non nature. Quaeris nomen huius naturae, spiritus est; quaeris  officium, angelus est; quaeris officium, angelus est, ex eo quod est, spiritus est, ex eo quod agit, angelus” – Anjo (mensageiro) é designação de encargo, não de natureza. Se perguntares pela designação da natureza, é um espírito; se perguntares pelo encargo, é um anjo: é espírito por aquilo que é, é anjo por aquilo que faz. Por todo o seu ser, os anjos são servidores e mensageiros de Deus. Porque contemplam “constantemente a face de meu Pai que está nos céus” (Mt 18, 10), são “poderosos executores de sua palavra, obedientes ao som de sua palavra” (Sl 103, 20).
“Como criaturas puramente espirituais, são dotados de inteligência e de vontade: são criaturas pessoais e imortais. Superam em perfeição todas as criaturas visíveis. Disto dá testemunho o fulgor de sua glória.
“Cristo é o centro do mundo angélico. São seus os anjos: “Quando o Filho do homem vier em sua glória com todos os seus anjos...(Mt 25, 31). São seus porque foram criados por e para Ele: “Pois foi nele que foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis: Tronos, Dominações, Principados, Potestades; tudo foi criado por Ele e para Ele” (CI 1, 16). São seus, mais ainda, porque Ele os fez mensageiros de seu projeto de salvação. ”Porventura não são todos ele espíritos servidores, enviados ao serviço dos que devem herdar a salvação?” (Hb 1, 14). [iii] 
A doutrina de Santo Agostinho, que diz que anjo é encargo, baseia-se também no texto de São Paulo aos hebreus: “Acerca dos anjos diz: “Ele faz os seus anjos espíritos, e os seus ministros chamas de fogo”. (Hb 1, 7). Quer dizer, são criados como espíritos e investidos do encargo de ministros, e por isso são anjos.   

A devoção aos Santos Anjos
O Papa Clemente X, aprovando a devoção aos Santos Anjos, instituiu o dia 02 de outubro como o da festa dos Santos Anjos da Guarda.  Durante muito tempo só havia a festa dos Arcanjos, que é no dia 29 de setembro. A devoção aos Santos Anjos da Guarda começou a se propagar, principalmente, a partir de 1411 quando a cidade de Valência, na Espanha, criou um ofício próprio em honra do Anjo da Guarda da cidade. Outras cidades foram imitando o exemplo de Valência. Portugal tinha desde 1513 uma festa em honra dos Anjos da Guarda, fixada em 1o. de março. Na França, o dia 8 de maio já era consagrado a São Miguel há séculos, dia em que o Arcanjo apareceu no Monte Gargano. Os outros arcanjos chegaram a ter suas festas: 24 de março, São Gabriel; e 24 de outubro, São Rafael.
O beato Francisco d’Estaing, bispo de Rodez, na França, mandou redigir ao franciscano João Colombi um novo ofício, que foi aprovado por Leão X em 1518. Mas somente em 1590 Sisto V concedeu à nação portuguesa um ofício especial para a festa dos Anjos Custódios.
Em setembro de 1608, o Papa Paulo V, a pedido de Fernando II da Áustria, instituiu a festa solene dos Anjos da Guarda, fixando-a no primeiro dia útil depois da festa dos Arcanjos (29 de setembro). Clemente IX, em 1667, colocou-a no primeiro domingo de setembro e acrescentou-lhe a oitava. Finalmente, em 1670, o Papa Clemente X fixou definitivamente a festa para o dia 2 de outubro com rito duplo. Em 1883, Leão XIII elevou-a a rito duplo maior.
Na realidade, a devoção aos Santos Anjos remonta ao Antigo Testamento, época em que os Santos Seres Espirituais apareciam constantemente para falar aos homens em nome de Deus ou para intervir quando se fazia necessário a defesa da honra e glória divinas. Moisés recebeu expressamente de Deus ordens para colocar estátuas de querubins no Propiciatório, que era a tampa da Arca da Aliança: “Farás também dois querubins de ouro batido nas duas extremidades do oráculo. Um querubim esteja dum lado, o outro do outro. Cubram ambos os lados do propiciatório, estendendo as asas e cobrindo o oráculo, e estejam olhando um para o outro com os rostos voltados para o propiciatório, com o qual deve estar coberta a arca” (Ex 25, 19-20). Da forma como Deus o ordenou, Moisés o fez   (Ex 37, 7-9). Como Moisés sabia sob que forma deveria representar os Anjos? Certamente, por causas de suas visões onde os mesmos teriam lhe aparecido da forma como desejavam ser vistos na Arca. 
Quando Salomão mandou construir o Templo, ordenou que se fizessem figuras de querubins:  “Entre as coroas e festões  havia leões, bois, querubins, e também nas junturas da parte de cima; debaixo dos leões e dos bois, pendiam como que umas grinaldas de cobre. (III Reis 7, 29). “Lavrou também nas superfícies, que eram de bronze, e nos cantos, querubins, leões, palmas, apresentando como que a figura de homem em pé, e com tal arte que não pareciam gravados, mas sobrepostos ao redor. Deste modo fez dez bases do mesmo molde, da mesma medida, e de escultura semelhante” (III Reis 7, 36-37).
O Templo continha um lugar chamado “a casa do Santo dos Santos”, onde estava a Arca da Aliança, e somente penetrava nela o Sumo Pontífice, enquanto no Santuário podiam entrar todos os sacerdotes. Neste local, Salomão mandou colocar também seus querubins:
“Fez também na casa do Santo dos Santos duas estátuas de querubins e cobriu-as de ouro. As asas dos querubins tinham vinte côvados de extensão, de sorte que uma asa tinha cinco côvados e tocava na parede do templo, a outra asa, que tinha também cinco côvados, tocava a asa do primeiro querubim. Da mesma sorte, uma asa do segundo querubim tinha cinco côvados e tocava na parede, e a outra asa deste era de cinco côvados e tocava a asa do primeiro querubim. De maneira que as asas destes dois querubins estavam abertas e tinham vinte côvados de extensão. Eles estavam postos em pé e os seus rostos virados para o templo exterior”  (Crônicas 3, 10-13).
Se atentarmos para o fato de que um côvado media entre 45 a 56 centímetros, somente as quatro asas desses dois querubins mediriam somadas mais de 10 metros de largura. Sabendo-se que referidas estátuas eram revestidas de ouro, quanto esplendor não refletiam dentro do Templo!. De outro lado, as estátuas dos querubins foram colocadas de tal forma que ficavam como que protegendo a Arca da Aliança:
“Os sacerdotes puseram a arca da aliança do Senhor no seu lugar, isto é, no oráculo do templo, no Santo dos Santos, debaixo das asas dos querubins, de modo que os querubins estendiam as suas asas sobre o lugar em que a arca estava posta e cobriam a mesma arca e seus varais”.  (Crônicas 5, 7-8).

Intermediários e intercessores entre Deus e os homens
Pelo que se lê na Sagrada Escritura, alguns interpretam que Deus no início apareceu ou se revelou diretamente sem a intermediação dos Anjos. No Êxodo está escrito que “O Senhor falava a Moisés face a face, como um homem costuma falar com o seu amigo” (Ex 33, 11). De outro lado, está escrito lá também que  “Não poderás ver a minha face, porque o homem não pode ver-me e viver”  (Ex 33, 20). Também se diz na Sagrada Escritura que Moisés recebeu diretamente de Deus os Dez Mandamentos. São Dionísio e Santo Agostinho afirmam que a Moisés e a São Paulo lhes foi concebido ver a Deus “por arroubamento”. Quer dizer, não o foi “face a face”, mas ocultando-se Deus de alguma forma. Falar face a face é uma coisa, mas ver a Deus face a face é outra. Os Dez Mandamentos, outrossim, foram dados a Moisés por Deus, mas por intercessão dos Santos Anjos, conforme ensina o próprio São Dionísio.
Não poderia ser de outra forma. Vejam o exemplo da Encarnação do Verbo, quando Deus resolveu anunciar aquele fato maravilhoso à Virgem Maria: escolheu para a tarefa um de seus Anjos, o Arcanjo São Gabriel. Ora, se a própria Virgem Maria, Mãe de Deus, teve um Anjo como intermediário entre Ela e Deus, e além do mais no fato mais importante de todos que foi a Encarnação do Verbo, quanto mais o tiveram todos os Patriarcas e Santos, como Moisés. 
Assim, toda operação divina, toda ação de Deus ou intermediação com os homens têm os Santos Anjos como intercessores. E o princípio é este: os seres inferiores se elevam a Deus mediante as hierarquias superiores. Da mesma forma que a Lei, o divino mistério do amor de Jesus aos homens foi primeiramente manifestado aos Santos Anjos e por meio deles chegou a nós. E chega a nós também, por intermédio deles, a sabedoria e ciência divinas. 
O ordenamento hierárquico faz com que os seres de ordem inferior possuam algo dos superiores. Desse modo, ainda no caso de que a ordem dos Santos Querubins possua sabedoria e ciência mais elevadas, também os seres das ordens inferiores, até os homens, comportam em menor proporção sua sabedoria e ciência, mesmo que seja inferior e parcial. De fato, todos os seres inteligentes deificados participam na sabedoria e ciência. Se diferencia entre eles segundo que essa participação venha diretamente da fonte ou de modo indireto e inferior, conforme a capacidade de cada um.



[i] Obras de San Buenaventura” – Edição bilingüe, 6 volumes - BAC - Madri, 1955. págs. 261/263.
[ii] “Itinerário da Mente a Deus” -, pág. 143.
[iii] “Catecismo da Igreja Católica”, Edições Loyola, págs. 96/97.

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