sábado, 26 de maio de 2018

LIBERDADE DE EXPRESSÃO, UM IDEAL VAZIO E SEM CLARA DEFINIÇÃO


              
Liberdade, seja ela qual for, como a de expressão, a de locomoção, tornou-se um intocável “dogma” dos juristas republicanos da era moderna. Mas, a liberdade de expressão tem destaque porque ela privilegia especialmente os órgãos de imprensa (hoje chamados de mídia, ou “mass media” nos EUA), que desejam agir sem restrições legais para divulgar suas notícias ou seus pensamentos.
A revista “Veja”, em sua edição de 17.06.2015, traz em seu editorial um elogio umbroso à medida tomada pelo STF que, em sua unanimidade, votara uma semana antes contra dois dispositivos do Código Civil, os quais garantiam ao indivíduo total privacidade no caso de divulgação biográfica. Quer dizer, o órgão supremo de nossa justiça considera que dois artigos do CC são inconstitucionais. Teriam outros artigos na mesma linha? Então um código tão importante para a vida cotidiana dos cidadãos foi aprovado contendo dispositivos que ferem a constituição? Ou trata-se apenas de interpretação momentânea, feita ao sabor de pressão da mídia?
A propósito, vou tratar aqui apenas da confusão que fazem em torno da expressão “liberdade de expressão”.

1.    1. Geralmente a lei que protege a tal liberdade visa quase que exclusivamente o Estado, que não pode se arrogar o direito de reprimir a livre manifestação de seus cidadãos. Foi com tal objetivo que foram criados vários dispositivos legais, isto é, visam antes de tudo evitar que o governo possa tolher a liberdade individual ou coletiva de seus dirigidos. Quando a temática passa a ser discutida no que diz respeito aos direitos de pessoa a pessoa, aí a legislação deve procurar evitar que um direito possa prejudicar outro. No caso, um indivíduo que use de sua liberdade de expressão não pode ir de encontro a outra pessoa.

2.    2Nem a Constituição, nem lei nenhuma pode garantir que qualquer pessoa possa divulgar o que quiser, sem nenhum respeito aos outros direitos sociais. Nesse sentido a colisão de direitos deve favorecer àqueles que precisam preservar sua idoneidade moral, que tem um valor incalculavelmente maior do que as idéias de quem quer que seja.

3.  3.   O tema em questão é porque andaram divulgando biografias de algumas personalidades, na qual mostravam fatos ocultos, os quais, ao serem divulgados, prejudicariam a imagem dos mesmos. Baseados nessa interpretação esdrúxula dos direitos, o STF simplesmente acha que os autores de tais livros podem, sim, divulgar o que quiserem porque estarão simplesmente manifestando uma liberdade constitucional.  Quanto a outros direitos, como, por exemplo, o da moralidade pública, do respeito à privacidade, que são bens muito maiores do que a liberdade de expressão, nada valem para tais ministros. A liberdade de expressão é um bem supremo, superior a qualquer outro, segundo eles.

4.    4. Mas, essa maneira de ver não vale para outros. Por exemplo, um autor divulgou, anos atrás, um livro criticando os judeus. Foi condenado, inclusive obrigado a retirar o livro de circulação, porque manifestara em seu texto pensamento anti-semita. Não se discute aqui se a idéia, o teor do livro do autor, era bom ou mal. Para serem coerentes com o mesmo princípio, tais ministros deveriam considerar que o autor do livro anti-semita simplesmente cumpriu um dispositivo constitucional que era de expressar livremente o que pensa.

5.    5. A liberdade é um direito, sim. Ela não se circunscreve apenas ao de ir e vir, mas também o de manifestar livremente seu pensamento. Podemos manifestar nossos pensamentos de várias formas, ou falando, criticando, ou então escrevendo, que é o caso dos literatos ou jornalistas. No entanto, quando usamos desta liberdade para a divulgação de idéias anti-sociais, como é o caso do próprio anti-semitismo, ou de princípios que pervertem a sociedade, como a permissividade sexual ou a propagação do uso de drogas, por exemplo, nesse caso o princípio não pode prevalecer porque estará ferindo outros direitos sociais, como o da moralidade social, o da honestidade, etc., Então, o legislador deve deixar bem patente que a liberdade de expressão não pode ser plena e abranger todos os pensamentos que o homem tem, mas deve obedecer os limites que a própria sociedade concede a outras liberdades.



sexta-feira, 25 de maio de 2018

COMO ESTAR COM DEUS?




A fim de que Deus possua completamente o nosso templo interior, é necessário que tenhamos a posse das três Pessoas da Santíssima Trindade, e isso é feito pelo Exame de Consciência, da Confissão e da Comunhão sacramental:
1)    DEUS PAI - No ato do auto-julgamento (o exame de consciência), a pessoa está sob influência e regência do Pai Eterno, que nos inspira a melhor forma de fazê-lo;

O Padre Eterno, a primeira revelação divina no templo da alma
As manifestações de Deus Pai, no Novo Testamento, sempre mostram uma relação de afeto e veneração com o Filho e revelada aos homens. Manifestou-se no batismo de Jesus (Mt 3, 17), dizendo: “este é o meu Filho amado em quem pus minhas complacências”, frase repetida na Transfiguração sobre o Monte Tabor (Mt 17, 5), parecendo ter sido estas as únicas vezes em que Deus Pai se manifestou publicamente para dar testemunho de Jesus. Aliás, tais cenas revelam uma manifestação da Santíssima Trindade e não só do Pai Eterno.
Nosso Senhor disse que tudo o que fazemos ou o que imaginamos, tudo o que pensamos, enfim, é segredo do Pai (Mt 6, 1-4). Por isso, recomenda orar ao Pai em segredo (Mt 6,6 e 6, 18), pois não serão nossos gestos ou palavras que O farão nos ouvir (Mt 6,7-8).  O Pai perdoa a quem perdoa  (Mt 6, 14/15) e só nos concede coisas boas (Mt 7, 11).  Por fim, só entrará no reino dos céus quem faz a vontade do Pai (Mt 7, 21).
A ação de Deus Pai (que, aliás, é sempre conjunta com as outras duas pessoas divinas, pois todas Elas agem ao mesmo tempo) se circunscreve sempre ao interior mais profundo das almas. E da mesma forma procede do Pai as revelações mais importantes, pois é Ele quem revela (a Sabedoria) aos pequeninos e as esconde aos “sábios”  (Mt 11,25).   Foi Deus Pai quem revelou a São Pedro o caráter divino da natureza de Jesus (Mt 16, 17): “Não foi a carne e o sangue que to revelou, mas meu Pai que está nos céus”,
De outro lado Pai e Filho têm tal união que se completam, pois “ninguém conhece mais o Pai do que o Filho” (Mt 11, 26-27) e vice-versa. Assim também como todas as coisas que são reveladas, inclusive a própria revelação feita a São Pedro, Ele o faz através do Filho, e é o Filho quem revela o Pai (Mt 11,27).
Enfim, Deus Pai se revela no interior de seus filhos verdadeiros, trata-se da luz primeira, dos primeiros conhecimentos que o homem tem em seu interior sobre Deus. Esta imagem primeira, estes sinais mais recôndito de Deus, o homem o encontrará dentro de sua própria alma. Para tanto basta que use a “luz da razão” e consulte sua consciência..
Aquele, pois, que procurar obscurecer sua própria luz da razão e apagar em seu interior a imagem de Deus, estará destruindo o templo divino e, como conseqüência, construindo o de satanás em seu lugar. É um homem morto não só para a vida da Graça, mas até mesmo para a vida natural para a qual foi também criado.
O nome de Pai é mais apropriado a Deus do que o nome de Deus, conforme escreveu São Cirilo de Alexandria:
“O Filho não manifestou o nome do Pai apenas revelando-o e dando-nos uma instrução exata sobre a Sua divindade, uma vez que tudo isso tinha sido proclamado antes da vinda do Filho, pela Escritura inspirada. O Filho também nos ensinou, não só que Ele é verdadeiramente Deus, mas que é também verdadeiramente Pai, e que é assim verdadeiramente chamado, pois tem em Si mesmo e produz para fora de Si mesmo o Filho, que é co-eterno com a Sua natureza.
O nome de Pai é mais apropriado a Deus do que o nome de Deus: este é um nome de dignidade, aquele significa uma propriedade substancial. Porque quem diz Deus diz o Senhor do universo. Mas quem nomeia o Pai específica a característica da pessoa: mostra que é Ele que gera. Que o nome de Pai é mais verdadeiro e mais apropriado que o de Deus mostra-no-lo o próprio Filho pelo modo como o usa. Pois Ele não dizia: «Eu e Deus», mas: «Eu e o Pai somos um» (Jo 10, 30). E dizia também: «Foi a Ele, ao Filho, que Deus marcou com o Seu selo» (Jo 6, 27).
Mas, quando mandou os seus discípulos batizarem todos os povos, ordenou expressamente que o fizessem, não em nome de Deus, mas em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28, 19)”..[1]
É comum nos depararmos com este paradoxo: não conhecemos e nem sequer sabemos onde encontrarmos a nossa própria intimidade, o âmago de nossa própria alma. Se não sabemos nem sequer onde se encontra o âmago, o mais profundo das cogitações de nossa alma, como podemos, pois, saber onde se encontra também o próprio Deus dentro de nós?  O homem desconhecendo a si mesmo, não sabendo quem ele realmente é, também não poderá conhecer seu Criador.

“Na casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo 14, 2)
O que significa a expressão “Casa do meu Pai?”. Trata-se do Templo de Deus. Foi assim que Ele se expressou ao expulsar os vendilhões do Templo de Jerusalém: “Está escrito: a minha casa é uma casa de oração e vós fizestes dela um covil de ladrões” (Lc 19, 45-46). A Casa de Deus, o Templo de Deus e as moradas celestes são a mesma coisa, embora o Templo citado acima diga respeito ao edifício de Jerusalém. E, no entanto, diz-se que o Templo de Deus encontra-se no interior do homem; à semelhança de como está Ele também no céu, encontra-se no coração e na alma do homem. Vale a mesma afirmação para o coração, este interior profundo do homem, que sendo templo de Deus deve ser antes de tudo “casa” de oração.
Existem várias passagens no Evangelho em que Nosso Senhor fala das moradas, ora referindo-se às moradas celestes, ora às do interior do homem. Por exemplo: “Na casa de meu pai há muitas moradas. Se assim não fosse, eu vo-lo teria dito. Vou preparar o lugar para vós. Depois que eu tiver ido e vos tiver preparado o lugar, virei novamente e tomar-vos-ei comigo para que, onde eu estou, estejais também vós” (Jo 14, 2-3). E mais adiante: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, meu Pai o amará, nós viremos a ele e faremos nele morada”  (Jo 14, 23).
A morada pode ser entendida como um lugar geralmente destinado a acolher pessoas de uma forma permanente. Assim como as moradas celestes são destinadas a acolher os bem-aventurados por toda a eternidade, as moradas de Deus no nosso interior são destinadas a acolhê-Lo com o fim de adorá-Lo, reverenciá-Lo, obedecê-Lo, prestar-Lhe culto, etc, isto tudo de uma forma permanente, com intenções de tornar-se eterna na outra vida. Desta forma, as moradas celestes, a que se referia Nosso Senhor nas passagens acima, queria dizer tanto os lugares destinados aos bem-aventurados na outra vida quanto as moradas que existem no interior de nossa alma. No Céu, são os tronos celestes para o descanso eterno de nossa alma, e em nós são as moradas interiores para que nelas Deus reine e seja adorado.
Da mesma forma, o fato de Nosso Senhor dizer que são muitas as moradas, quer também significar a grande diversidade de vida espiritual que cada um pode ter para se chegar até Deus, ou, como são diversas as batalhas para conquistá-las até chegar a Ele. Neste sentido também, existem tanto as moradas celestes quanto as de Deus no interior de nossa alma. Nosso interior pode ter, neste sentido, dois grandes castelos senhoriais: um destinado a ser templo de Deus e outro destinado à Sua morada. Melhor ainda, a mesma morada pode servir ela mesma de templo. Aliás, uma só, não, várias moradas, como disse o próprio Nosso Senhor. Assim, mesmo tendo Deus Pai em nosso interior como luz primeira de nossa existência, precisamos preparar uma morada para Deus Filho e o Espírito Santo. São Paulo disse: “Por essa causa dobro os meus joelhos diante do Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a família, quer nos céus, quer na terra, toma o nome, para que, segundo as riquezas de sua glória, vos conceda que sejais corroborados em virtude, segundo o homem interior, pelo seu Espírito, e que Cristo habite pela fé nos vossos corações, de sorte que, arraigados e fundados na caridade, possais compreender, com todos os santos, qual seja a largura e o comprimento, a altura e a profundidade; e conhecer também o amor de Cristo, que excede toda a ciência, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus”  (Ef 3, 14-19)
Qual a finalidade das moradas celestes? Dar descanso, gozo e paz (descanso não só como fim de nossas tribulações, mas como êxtase nas coisas de Deus; gozo dos bens eternos e paz que é fruto da tranqüilidade da ordem), pois esta é a finalidade de toda morada. E permitir à contemplação do Eterno sem qualquer obscuridade de nosso  espírito humano.
 Por causa disso, as moradas celestes devem ser compostas de substâncias espirituais e corporais próprias do Empíreo (destinadas a acolher também as propriedades do corpo ressurrecto: translucidez, sutileza, agilidade, ubiqüidade etc.), além de dons, virtudes e graças para sustentar, alimentar e engrandecer corpo e alma.  Os quais foram necessários à ascese na terra de uma forma imperfeita quanto ao nosso uso, mas perfeitíssimos no céu por causa de estarmos imersos em Deus.
Temos no interior de nossa alma os reflexos das celestes moradas de Deus, as quais se tornam realidade com a vinda da Santíssima Trindade para morar em nós.  Assim, Deus pode morar em nosso interior de uma forma natural, como reflexo de Suas perfeições (somos imagem e semelhança de Deus) e também de uma forma completa através da ascese. Nós somos também uma morada de Deus no verdadeiro sentido da palavra, como citamos acima (Jo 14, 23).
Como, então, poderemos chegar às moradas divinas existentes no interior de nossa alma? Veremos que devemos travar numerosas e renhidas batalhas para o mister. Devemos seguir não somente o Decálogo, mas os conselhos evangélicos e andar nos passos de Nosso Senhor.. E neles vamos encontrar a fórmula que fará com que o próprio Nosso Senhor venha fazer em nós a Sua morada e nos leve para a Morada d’Ele:
“Depois que eu tiver ido e vos tiver preparado o lugar, virei novamente e tomar-vos-ei comigo para que, onde eu estou, estejais vós também. E vós conheceis o caminho para ir onde vou” (Jo 14, 3-4):
Pelo que se viu acima, somente iremos depois que Nosso Senhor foi, e somente iremos para o lugar que Ele nos preparou juntamente com Ele mesmo. Da mesma forma, só iremos com Ele depois de “conhecer o caminho” que Ele também já trilhou (quer dizer, o da Cruz e da santificação);
Como é este caminho? Ele mesmo o responde: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vai ao Pai senão por mim”  (Jo 14, 6). Para se ir ao Pai (portanto, para as moradas celestes) tem-se primeiro que seguir o caminho (que é a Cruz), a verdade (que é a Fé) e a vida (que é o amor a Deus, a caridade), e tudo isto ninguém o fará se não for por intermédio de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Como Deus “habita” em nós
a) de forma “natural”
Segundo São Tomás de Aquino, Deus está em nós, naturalmente falando, de três maneiras diferentes:
- por potência  (todas as criaturas estão sujeitas a seu império);
- por presença (por causa de sua onipresença) e
- por essência (porque opera em toda parte e em toda parte Ele é a plenitude do ser e causa primeira de tudo). Estas três maneiras são as mesmas com que Deus também está não só nos homens mas em toda a criatura, sendo que nos homens está de uma forma especial por sermos sua imagem e semelhança. Assim está Ele também em qualquer homem, quer seja pagão ou cristão, pecador ou não, até mesmo entre os condenados no inferno.
b) pela lei da Graça
A Santíssima Trindade faz-se presente na alma humana, transmitindo-lhe a vida divina: o Pai vem a nós e continua em nós a gerar o Filho; com o Pai recebemos o Filho em nosso interior, e como fruto do amor de ambos recebemos o Espírito Santo. Fazem as três pessoas divinas sua morada em nossa alma e nos adotam como filho: se acolhemos, pois, em nossa morada o nosso Criador, Redentor e Santificador, transmitem-nos assim participação na vida divina.
O mesmo São Tomás de Aquino também explica como se dá esta outra forma com que Deus habita em nosso interior:
“Acima do modo comum, pelo qual Deus habita em toda criatura, há um modo especial, por que Ele habita exclusivamente na criatura racional, e é como o conhecido está naquele que conhece, e o amado no amante.
“Mas, como a criatura que conhece e ama (trata-se do conhecimento pela fé e do amor pela caridade) alcança a Deus mesmo na sua operação, resulta disso que Deus, por este modo de presença, não só está presente na criatura, mas nela habita, como em um templo” [2]
Como, então, estando Deus em nosso interior precisamos nos dirigir a Ele? É que Deus não se satisfaz em morar em nosso interior apenas da forma natural, como fomos criados, mas principalmente da maneira sobrenatural. O primeiro tipo de morada, o natural, é como se fosse uma casa vazia; já o sobrenatural, é a mesma casa totalmente preparada para receber um hóspede, com móveis, limpeza, decoração, etc. Então esta segunda forma de morada não é sempre predominante nas almas, podendo estar ausente por causa dos pecados, de nossas fraquezas ou das más inclinações.  Além do mais, Deus pede que façamos uma ascese em Sua busca para sermos perfeitos e felizes como Ele.

O desejo de contemplar a Deus
Santo Anselmo tem significativo texto sobre o desejo intenso de possuir Deus dentro de si mesmo:
“Eia, homenzinho, deixa um momento tuas ocupações habituais; entra num instante em ti mesmo, longe do tumulto de teus pensamentos. Lança fora de ti as preocupações esmagadoras; aparta de ti vossas inquietações trabalhosas.
Dedica-te por um instante a Deus e descansa pelo menos um momento em sua presença. Entra no aposento de tua alma; excluí tudo, exceto Deus e o que possa ajudá-lo a buscá-Lo; e assim, fechadas todas as portas, segue após Ele. Diz, pois, alma minha, diz a Deus: “Busco vossa face; Senhor, desejo ver vossa face”.
E agora, Senhor, meu Deus, ensina meu coração onde e como buscar-Vos, onde e como encontrar-Vos.
Senhor, se não estás aquí, onde Vos buacarei, estando ausente? Se estás em todos os lugares, como não encontro vossa presença? Certo é que habitas numa claridade inacessível. Porém onde se encontra essa inacessível claridade? Como me aproximarei dela? Quem me conduzirá até aí para ver-Vos nela? E assim, com que sinais, sob qual coisa Vos buscarei? Nunca jamais Vos vi, Senhor, Deus meu; não conheço vossa face.
Que fará, altíssimo Senhor, este vosso desterrado tão longe de Vós? Que fará vosso servidor, ansioso de vosso amor e tão longe de vossa face? Deseja Vos ver e vosso rosto está muito longe dele. Deseja aproximar-se de Vós e vossa morada é inacessível. Arde no desejo de encontrar-Vos e ignora onde vives. Não suspira mais que por Vós e jamais viu o vosso rosto.
Senhor, Vós sois meu Deus, meu dono, e, contudo, nunca Vos vi. Me tens criado e renovado, me tens concedido todos os bens que possuo e ainda não Vos conheço. Me criaste, enfim, para Vos ver, e, todavía, nada é feito  para aquilo para o qual fui criado.
Então, Senhor, até quando? Até quando Vós esquecereis de nós, apartando de nós vosso rosto?  Quando, finalmente, nos olharás e nos escutarás? Quando encherás de luz nossos olhos e nos mostrará vosso rosto? Quando voltarás para nós?
Olha-nos, Senhor; escuta-nos, ilumina-nos, mostrai-Vos a nós. Manifesta-nos novamente vossa presença para que tudo nos ocorra bem; sem isso tudo será mal. Tem piedade de nossos trabalhos e esforços para chegar até Vós, porque sem Vós nada podemos.
Ensina-nos a buscar-Vos e mostrai-Vos a quem vos busca; porque não posso ir em vossa procura a menos que Vós me ensine, e não posso Vos encontrar se não Vos manifestas. Desejando Vos buscarei, buscando Vos desejarei, amando Vos acharei e encontrando-Vos vos amarei”.[3]


2)    DEUS ESPÍRITO SANTO - No ato da Confissão (exposição dos fatos vistos no exame como pecados ao Confessor e conseqüente arrependimento e absolvição) quem opera é o Divino Espírito Santo, responsável pela nossa santificação;

Através do exame de consciência fazemos um auto-julgamento, mas é na Confissão que cumprimos a vontade de Deus, submetendo-nos à justiça divina por intermédio do Confessor. É um tribunal tão poderoso, o da Confissão, que, após o mesmo, todos aqueles pecados são apagados da alma, é como se nunca tivessem sido cometidos. O perdão é total. Ninguém vai ainda ser argüido no Juízo após a morte sobre aqueles declarados ao confessor e absolvidos, pois naquele momento a pessoa já foi submetida a seu julgamento, que é divino, pois o Espírito Santo, por intermédio de Nosso Senhor Jesus Cristo, deu este poder aos sacerdotes. De outro lado, aqueles pecados que forem retidos, isto é, não perdoados na Confissão, ficarão para ser argüidos no momento do juízo da hora da morte.
Este poder de perdoar ou não os pecados, através da Confissão, foi manifestado por Nosso Senhor Jesus Cristo como provindo do próprio Espírito Santo, conforme explica São João no Evangelho: “Dizendo isso, soprou sobre eles e lhes disse: Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais retiverdes ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 22-23)

3)    DEUS FILHO - Por fim, está nossa alma pronta pare receber a Terceira Pessoa da Santíssima, o Filho, na forma da Hóstia Consagrada, completando assim a total regência da Trindade Santíssima em nós.

Feito isso, está perfeita a regência divina em nós. Deus reina completamente em nosso coração pela presença da Trindade Santíssima. O templo divino, presente em nosso coração, vai a partir daí encontrar-se completamente ocupado pela Santíssima Trindade, não apenas nas formas naturais, como visto acima, mas sobrenatural, fazendo-nos partícipe da vida divina pela Graça e posse do mesmo Deus. Deus Pai nos inspirou e nos regeu quando fizemos o exame de consciência; Deus Espírito Santo também nos regeu na hora da Confissão, cumprindo assim a vontade divina; finalmente, a regência se completou com a posse do Verbo Encarnado, o Filho de Deus Verdadeiro, ao recebê-Lo na forma Eucarística, na comunhão sacramental. Está completa a regência da Santíssima Trindade em nós.

A terceira vinda de Cristo
É desta forma que se conclui a terceira vinda de Cristo, imaginada por São Bernardo:
“Virá a nós a palavra de Deus.
Sabemos de uma tripla vinda do Senhor. Ademais da primeira e da última, há uma vinda intermediária. Aquelas são visíveis, mas esta não. Na primeira, o Senhor se manifestou na terra e conviveu com os homens, quando, como o afirmou Ele mesmo, O viram e O odiaram. Na última, todos verão a salvação de Deus e verão ao que traspassaram. A intermediária, em troca, é oculta, e nela somente os eleitos vêem o Senhor no mais íntimo de si mesmos, e assim suas almas se salvam. De maneira que, na primeira vinda o Senhor veio em carne e debilidade; nesta segunda, em espírito e poder; e, na última, em glória e majestade.
Esta vinda intermediária é como uma estrada por onde se passa da primeira para a última: na primeira, Cristo foi nossa redenção; na última, aparecerá como nossa vida; nesta, é nosso descanso e nosso consolo.
E para que ninguém pense que é pura invenção o que estamos dizendo desta vinda intermediária, ouvi-o a Ele mesmo: o que me ama – nos disse – guardará minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos a ele. Li em outra parte: O que teme a Deus obrará o bem; mas penso que se disse algo mais daquele que ama, porque este guardará sua palavra. E onde vai guardá-la? No coração, sem dúvida alguma, como disse o Profeta: Em meu coração escondo teus conselhos, assim não pecarei contra ti.
Assim é como hás de cumprir a palavra de Deus, porque são ditosos os que a cumprem. É como se a palavra de Deus tivesse que passar pelas entranhas de tua alma, teus afetos e tua conduta. Faz do bem tua comida e tua alma desfrutará com este alimento substancioso. E não esqueças de comer teu pão, não ocorra que teu coração se torne árido: pelo contrário, que tua alma repouse completamente satisfeita.
Se é  assim como guardas a palavra de Deus, não cabe dúvida que ela te guardará a ti. O Filho virá a ti em companhia do Pai, virá o grande Profeta que renovará Jerusalém, O que o faz todo novo. Tal será a eficácia desta vinda, que nós, que somos imagem do homem terreno, seremos também imagem do homem celestial. E assim como o velho Adão se difundiu por toda a humanidade e ocupou ao homem inteiro, assim é agora necessário que Cristo o possua todo, porque Ele o criou todo, o redimiu todo, e o glorificará todo”.[4]


[1]São Cirilo de Alexandria (380-444), bispo e Doutor da IgrejaComentário ao evangelho de João, 11, 7; Pg 74, 497-499(a partir da trad. Delhougne, Les Pères

[2] Suma Teológica I, Q XLIII, a. 3
[3]Del libro Proslógion de san Anselmo, obispo (Cap. 1: Opera omnia, edición Schmitt, Seckau [Austria] 1938, 1, 97-100)

[4]Dos sermões de São Bernardo, Sermão 5 no Advento do Senhor, 1-3; Opera Omnia, edições cistercienses, 4, 1966, 188-1905

quinta-feira, 24 de maio de 2018

AUXILIADORA DOS CRISTÃOS




Nossa Senhora Auxiliadora dos Cristãos! Por que o título de Auxiliadora? Nossa Senhora tem como maior glória o ser auxiliadora? Para Ela não é glória maior ser Mãe de Deus? É claro! Para Ela não é glória maior ser co-Redentora do gênero humano? É claro! Para Ela não é glória maior ter sido concebida sem pecado original? É claro! Por que, então, Nossa Senhora Auxiliadora? Por que tanta insistência em torno desta invocação: Nossa Senhora Auxiliadora?
Compreende-se, pois Ela, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo e nossa Mãe, está permanentemente disposta a nos ajudar em tudo aquilo que nós precisamos. São Luís Maria Grignion de Montfort tem uma expressão que parece exagerada, mas que está absolutamente dentro da verdade: se houvesse no mundo uma só mãe reunindo em seu coração todas as formas e graus de ternura que todas as mãe do mundo teriam por um filho único, e essa mãe tivesse um só filho para amar, ela o amaria menos do que Nossa Senhora ama a todos e cada um dos homens.
De maneira que Ela de tal modo é Mãe de cada um de nós e nos quer tanto a cada um de nós – por desvalido que seja, por desencaminhado que seja, por espiritualmente trôpego que seja – que quando qualquer homem se volta para Ela, o primeiro movimento d’Ela é um movimento de amor e de auxílio. Porque Nossa Senhora nos acompanha antes mesmo de nos voltarmos para Ela. Ela vê nossas necessidades e é por sua intercessão que nós temos a graça de nos voltarmos para Ela. Deus nos dá a graça de nos voltarmos para Ela, nós nos voltamos e a primeira pergunta d’Ele é: “Meu filho,  o que queres?”
Mas nós temos dificuldades em ter isto sempre em vista. Por quê?
Porque nós não vemos, e, na nossa miséria, muitas vezes somos daqueles que não crêem porque não vêem. Nós esquecemos. Não duvidamos, mas esquecemos, nos sentimos tão deslocados que dizemos: “Mas será mesmo? Depois, aconteceu-me isto, aconteceu-me aquilo, aconteceu-me aquilo outro, eu pedi a Ele a não fui atendido: por que vou crer que agora serei socorrido?  Mãe de Misericórdia... para mim, às vezes sim, mas às vezes não... Nesta próxima provação, por que confiar que serei socorrido, ó Mãe de Misericórdia?!”
É nessas horas, mais do que nunca, que devemos dizer: “Auxilium Christianorum, ora pro nobis!” Nas horas em que nós não compreendemos, não temos noção do que vai acontecer, nós devemos repetir com insistência: “Auxilium Christianorum! Auxilium Christianorum! Auxilium Christianorum!” Porque para todo caso há uma saída. Nós às vezes não vemos a saída que Nossa Senhora dará ao caso, mas Ela já está dando uma saída monumental.
A esse título, portanto, muito especial, nós devemos repetir sempre: “Auxilium Christianorum!” Nossa insuficiência proclama a vitória d’Ela, canta a glória d’Ela. Por isso, esta prece deve estar nos nossos lábios em todos os momentos: “Auxilium Christianorum, ora pro nobis! Auxilium Christianorum, ora pro nobis!
Meus caros, rezemos, portanto,  “Auxilium Christianorum! Auxilium Christianorum! Auxilium Christianorum!”  em todas as circunstâncias de nossa vida, e nossa vida acabará tal que, na hora de morrer, quando nós estivermos no último alento e ainda dissermos “Auxilium Christianorum!” , daí a pouco o Céu se abrirá para nós.
(Plinio Corrêa de Oliveira, in revista “Dr. Plínio”, nº 62, maio de 2003).

NOSSA SENHORA, AUXÍLIO DOS CRISTÃOS




Hoje temos a festa de Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos. Essa invocação foi introduzida na ladainha Lauretana por São Pio V, em comemoração da vitória alcançada contra os turcos em Lepanto [7-10-1571]. A festa foi instituída por Pio VII [em 26-9-1814], em ação de graças por sua volta à Roma, depois de preso por Napoleão.
Os senhores sabem que aquela imagem que está na nossa capela – é sempre bom repetir isso para os novatos – é de Nossa Senhora Auxiliadora. O simbolismo da imagem é muito bonito. Nossa Senhora tem em um de seus braços o Menino Jesus e na mão um cetro. Isso quer indicar que pelo poder que Ela tinha sobre o Menino Jesus, e que conservou a vida inteira, Ela tem a onipotência sobre todo o mundo, sobre todo o universo.
E como Senhora onipotente do universo, Ela tem o poder de nos auxiliar em tudo que nós quisermos. É uma auxiliadora onipotente. Por outro lado, o semblante risonho dEla, o semblante amável dEla, nos fala da sua misericórdia. Então, estão dois fatores presentes para nós confiarmos no auxílio dEla. Ela quer inesgotavelmente socorrer-nos, Ela pode socorrer-nos em tudo. Logo, se pedirmos Ela socorrerá. Quer dizer, Nossa Senhora Auxiliadora poder-se-ia chamar, debaixo de um certo ponto de vista, Nossa Senhora dos Pedidos. Ela não nos auxilia só quando nós pedimos, é verdade, mas sempre que nós pedimos, Ela nos auxilia. Ela é chamada, por causa disso, Auxílio dos Cristãos.
Por causa disso também, convém lembrarmos a insistência com que Ela é invocada em nossas orações. Os senhores notaram que depois das três Ave-Marias que rezamos à noite, há sempre uma jaculatória: Auxilium Christianorum, ora pro nobis. Porque Dom Chautard condena o seguinte erro em que certas pessoas caem: "Deus, Nossa Senhora, que me ajudem nas dificuldades extraordinárias da vida. Nas dificuldades comuns, eu não preciso do auxílio d’Ela. Eu com meu talento, minha capacidade e minha energia, resolvo por mim mesmo". Em matéria de apostolado como, aliás, em matéria de tudo, isso é falso. Mas em matéria de apostolado é falso a um título especial, é falso de modo muito particular.
Nós, para o êxito do apostolado, como para o êxito de nossa vida interior, precisamos a cada passo do auxílio de Nossa Senhora. Por exemplo, para que estas palavras que estou dizendo aos senhores tenham alguma fecundidade. Essa fecundidade resulta exclusivamente da graça de Nossa Senhora. E essa graça é Ela que obtém de Deus, que é o autor da graça, que é a fonte última, verdadeira e profunda de todo bem, de todo dom perfeito. De maneira que se Nossa Senhora não me auxiliar, essas palavras resultarão vãs e se eu quero esse auxílio, devo pedi-lo.
Portanto, é a coisa mais normal do mundo que antes de começar o "Conferência", eu faça uma jaculatória. Se eu não fizer a jaculatória, que esteja no estado de espírito de quem habitualmente está pedindo a Nossa Senhora o auxílio para tudo o que faz, reconhecendo a dependência em relação a Nossa Senhora, e reportando minha esperança no auxílio d’Ela para resolver todos os problemas dentre os quais eu possa estar. Isto diz respeito aos problemas do apostolado, e diz respeito – sobretudo – aos problemas da vida interior.
Ema nossa vida interior nós não podemos fazer nada sem a graça. E a graça nós só podemos receber de Deus, e Deus só no-la dará por [intermédio de] Nossa Senhora, e Nossa Senhora no-la dará se pedirmos. E Ela é, portanto, nossa auxiliadora indizivelmente misericordiosa, que a todo momento está disposta a nos auxiliar e a nos conferir os auxílios mais inesperados, os auxílios maiores, os auxílios mais súbitos, os auxílios mais estrondosos. Depende apenas de nós pedirmos, pedirmos, pedirmos.
Nós devemos nos preparar para fazer um pedido a Ela. Qual é o pedido que devemos fazer? Nós devemos fazer a Ela pelo menos um pedido. Mas Ela, como Auxiliadora que é, gosta que se lhe peça muita coisa. Nossa Senhora não é como os potentados da terra a quem a gente pede pouco, para obter algo. Nossa Senhora pelo contrário, é uma Mãe boníssima, que gosta que os filhos lhe peçam muito e que quanto mais coisas os filhos lhe pedem, mais Ela se agrada disto.
Mas essas coisas devem ser pedidas, com ordem – não exclusivamente – mas com ordem, sobretudo, à glória d’Ela e à implantação do Reino d’Ela, à ordem sobrenatural, à causa contra-revolucionária, às diversas TFPs, etc.
Nossa Senhora é tão boa que Ela atende, muitas vezes, pedidos de pessoas que pedem apenas para proveito próprio, mais nada. Por exemplo: "Minha Mãe, meu braço não está funcionando; eu vos peço que meu braço funcione". Nossa Senhora põe em funcionamento o braço da pessoa... e ela não se converte.
Mas assim mesmo a bondade dEla se exerceu e Ela tira daí um proveito: mostra que Ela é tão boa, que Ela é até boa para quem não merece. Mas se Ela é até boa para os filhos das trevas, quanto mais Ela pode ser boa para quem, com maior ou menor fidelidade, pode chamar-se filho da luz. Evidentemente Ela transborda do desejo de ajudar.
Então, seria uma coisa muito boa, seria o ideal, que uma pessoa que interiormente se sentisse levada a isso – porque é preciso ter uma moção interna para isto – fizesse uma lista de vinte ou trinta pedidos a Nossa Senhora.
Pedidos nessa ordem: pedidos para minha vida interior, pedidos para meu apostolado, pedidos para a totalidade das TFPs, pedidos para a causa contra-revolucionária em geral.
Pedidos para a causa contra-revolucionária em geral. Pedidos, portanto, para nossa Mãe indizivelmente querida e indizivelmente perseguida: a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana. Pedido da urgente realização das promessas de Nossa Senhora feitas em Fátima. Então, para cada um desses pedidos, formular algumas coisas.
Mas, se pelo menos não houver um movimento interior da alma para isso – e não ter esse movimento, não significa infidelidade; a graça toca cada alma de um modo –, pelo menos estudar um pedido de vida interior e um pedido de apostolado para fazer.O que é que eu posso mais querer para minha vida interior Eu recomendo uma intenção. E esta eu recomendo instantissimamente: que Nossa Senhora faça na alma de cada um de nós aquilo que Ela sabe que é melhor. Isso é evidente: não se pode deixar de pedir.
Mas, além disto, o que nós desejamos. O que Ela nos dá, pela graça, pela razão, a ocasião de conhecer e de desejar como necessidade nossa. É normal que peçamos. É legítimo pedirmos. Então, pedir a Ela o que for, a graça que fale no interior da alma dos senhores. Mas aqui nós vamos pedir para que Nossa Senhora Auxiliadora, a todos nós, conceda grandes graças.

 (Plinio Corrêa de Oliveira, conferência de 24 de maio de 1968)




sábado, 19 de maio de 2018

NOSSA SENHORA E O PENTECOSTES



Podemos imaginar que, naquela ocasião[1], estava Nossa Senhora sentada numa cadeira de braços como se fosse um trono, colocado num estrado, tendo diante d’Ela os doze Apóstolos sentados em tronos menores, dispostos mais ou menos em semicírculo.
Todos rezavam, pois haviam feito um longo recolhimento espiritual e suplicaram graças, as quais desceram sobre cada um deles em torrentes, a rogos de Maria Santíssima, medianeira de todos os dons divinos. Segundo nos ensina a doutrina católica, Nosso Senhor sempre atende os pedidos de sua Mãe em nosso favor, e Ela tem para conosco toda espécie de misericórdias e bondades, alcançando-nos não apenas as graças de que necessitamos, como também o conhecimento exato e a justa ponderação de nossas faltas e imperfeições.Em seguida, o pesar, ou seja, a contrição. Esta é preciosa, pois torna agradável a Deus a alma até há pouco carregada de pecados.
Continuando a se dirigir a Deus, sempre por meio da Virgem Maria, a alma recebe graças e mais graças.
Quantos e que espécie de favores divinos os Apóstolos terão alcançado, estando assim juntos de Nossa Senhora, participando de seu convívio e com Ela conversando?
Podemos imaginar que, nessa situação, um deles talvez tenha se levantado, feito-Lhe uma vênia profunda, ajoelhou-se, acusou-se de seus pecados e pediu perdão. E a Mãe de Deus, fitando-o com bondade e delicadeza inigualáveis, lhe diz: “Filho, vou rezar por ti. Tem certeza, teus pecados serão perdoados”. Permanecendo mais um tempo genuflexo, ele afinal se ergue e retorna ao seu lugar...


“Grand-retour”, a Pentecostes nos dias de hoje


Crepita um ardor na sala. E um a um, os demais Apóstolos procedem da mesma forma. Aproveitam para contar fatos da vida de Nosso Senhor, ocorridos no convívio deles com o Divino Mestre, que os outros ouvem com avidez extraordinária.  Nesse ambiente – de um silêncio eloqüente, ou eloqüência silenciosa – o fervor aumenta e em determinado momento todos se sentem mais no Céu do que na Terra.
O espírito de Nossa Senhora paira a uma altura inimaginável, sem perder contato com os filhos d’Ela. Em certa hora, uma luz começa a aparecer. Quando ela se torna mais intensa e se generaliza, há um estouro harmônico e perfumado. Os anjos cantam, Nossa Senhora está recolhidíssima, como no instante em que se deu a Encarnação do Verbo em seu seio puríssimo, ou quando Ela segurou em suas mãos o Menino Jesus, logo após Lhe ter dado à luz, e seus olhares pela primeira vez se cruzaram.
Tudo isso se pode imaginar com cuidado, para não se cair em erro. Porque a imaginação voa, e é capaz de nos levar a sérios enganos. Assim, nunca devemos conjecturar algo que não esteja de acordo com a doutrina da Igreja baseada na Escritura, a qual foi redigida sob a inspiração do Espírito Santo. Contudo, nossa alma pode supor coisas que alimentem seu próprio fervor, e nos proporcionem a idéia de como os fatos se teriam passado.
Se houvesse hoje um milagre semelhante ao de Pentecostes, o que aconteceria?
Um dado fundamental distingue nossa época daquela. No tempo de Jesus Cristo existia o mal, como o prova a Paixão e Morte de Nosso Senhor tramada pelos seus adversários, que tinham sido reprovados pelo Redentor com veemência em suas pregações. Havia o mal, não porém a Revolução. Esta é uma forma organizada, articulada, estruturada do mal, como se fosse um país invisível. Existe por toda a parte, trama contra o bem e procura atacar tudo quanto o represente.
Se em nossos dias sobreviesse fenômeno parecido com o de Pentecostes, teríamos de imaginar – com quanta alegria! – os anjos esmagando a Revolução pelo mundo afora. Seria, então, o nosso Grand-Retour, uma conversão completa, um total repúdio a todo o mal que havíamos feito, e um amor inteiro às virtudes e a todo o bem que éramos chamados a praticar e a realizar. Em suma, um vôo à santidade, que abarca o perfeito amor a Deus e ao próximo, com o deliberado propósito de extinguir a Revolução sobre a face da Terra.
Temos assim uma proveitosa reflexão para a Festa do Pentecostes.

(Revista “Dr. Plínio”, nº 86, de maio de 2005, pp. 22/25)





[1] Descida do Divino Espírito, Pentecostes, narrada nos Atos dos Apóstolos 2,1-3

sábado, 12 de maio de 2018

A LEI ÁUREA FOI PROMULGADA POR FORÇA DAS CONVICÇÕES CATÓLICAS DA PRINCESA ISABEL





A Margem do 13 de maio

O “Legionário” oferece, hoje, aos seus leitores um documento que dificilmente se encontra, e que, no entanto, é do maior valor para se apreciar devidamente a acentuada influência da Igreja na abolição dos escravos cujo cinqüentenário se celebrou na sexta-feira passada.
Ainda está para ser feita uma História da Igreja no Brasil. No dia em que tal se fizer, e em que for possível pôr à mostra as raízes religiosas de muitos dos principais acontecimentos históricos de nosso País, ver-se-á o quanto a História oficial se empenhou em desfigurar a verdade, para arrancar à viva força à tradição nacional aquele caráter fundamentalmente católico que é a sua mais importante característica.
O gesto da Princesa Isabel, libertando bruscamente os escravos com perigo para o trono que um dia deveria ocupar, tem sido comentado sob os mais variados aspectos. Os positivistas e congêneres se comprazem em glorificá-la como grande benfeitora da humanidade, sem cogitar dos motivos religiosos pelos quais a grande Princesa assumiu a atitude que a imortalizou.
Os republicanos, não raras vezes, elogiando embora o 13 de Maio, deixam transparecer ardilosamente que a Princesa Isabel foi conduzida a ele pelo curso inexorável dos acontecimentos, e que se prestou a fazer de bom grado em 1888 o que em 1890 ou 1895, inevitavelmente, ela teria de fazer. Os monarquistas se preocupam, freqüentemente, em pôr em relevo as vantagens da forma de governo monárquico, argumentando com as virtudes da Princesa, sem dar o devido valor, na sua apologética política, às virtudes santificadoras da Religião Católica que inspiraram na realidade o nobre ato de desinteresse com que Da. Isabel sacrificou o seu trono. E os católicos - como dói dize-lo - sejam eles monarquistas ou republicanos, se esquecem quase sempre de procurar discernir nesse acontecimento histórico, como nos demais, a influência benéfica da Igreja, que outros são perspicazes em ocultar, enquanto os filhos da luz se mostram tão indiferentes em ver e glorificar.
Se Leão XIII tivesse sido devidamente atendido, a situação religiosa e moral da raça negra no Brasil seria muito outra.
Sirvamos a causa dos negros, não por uma série de elogios ao feiticismo das macumbas, mas pelo trabalho ativo em prol de sua integração cada vez mais perfeita na santa Igreja de Deus.
A figura da Princesa Isabel tem sido mantida em um esquecimento censurável, nesse belo jubileu que há dois dias atrás comemoramos. Empenhados em comemorar o 13 de Maio, parece que muitos de nossos pró-homens só se lembraram em falar sobre superstições negras, macumbas e candomblés. Isto é, sobre um dos mais humilhantes frutos da escravidão para a raça negra. Por que, em lugar disto, não falam do belíssimo ato de piedade e de justiça cristãs que foi na realidade o 13 de Maio?
E, no entanto, a este propósito muito haveria que dizer. A Princesa Isabel tem sido mal conhecida. Na realidade, ela mostrou, na alta posição de Princesa Imperial, qualidades que fariam honra a qualquer estadista católico. Colocada, por seu sexo, em uma atitude de natural reserva que os costumes da época acentuavam imensamente; obrigada pelo caráter constitucional da monarquia então vigente (naquele tempo, o poder absoluto causava horror no Brasil) a uma linha de conduta de extrema circunspecção em todos os acontecimentos políticos; forçada ainda a muita prudência para não colidir com a autoridade de seu Pai, ainda reinante, a Princesa Isabel poderia ter encontrado fáceis desculpas perante sua consciência, para se iludir a si própria, e recusar ao Brasil e à Igreja muitos dos serviços que lhes prestou.
A Princesa, entretanto, tinha uma firmeza de caráter muito acentuada, e soube mais de uma vez, dentro dos limites ditados por sua situação, fazer valer bem alto seus direitos de católica e de herdeira do trono imperial, contrariando ao mesmo tempo o liberalismo rançoso que infestava o século XIX e certos preconceitos injustos que tendiam a retirar à mulher qualquer influência, ainda quando a Providência a tivesse feito nascer nos degraus de um trono.
Provou-o, por exemplo, a conduta modelar da Princesa por ocasião da questão religiosa. Enquanto D. Pedro II e o Ministério, de mãos dadas com a opinião regaliana e maçônica, com o liberalismo e todos os fatores de desordem do Brasil, se empenhavam em perseguir os Bispos do Recife e do Pará, a Princesa Isabel fez notar sempre sua desaprovação ao que se passava, rodeando constantemente com as maiores atenções os altos dignitários da Igreja, e dando publicamente provas tais do vigor de suas convicções católicas - naquele tempo os inimigos da Igreja diziam-se anticlericais mas afirmavam ser católicos; hoje em dia alguns deles cometem uma aberração não menor, ostentando-se anticatólicos mas escondendo que são anticlericais – e, portanto, de sua desaprovação pelo que acontecia, que a Princesa Isabel ficou assinalada pela maçonaria como vítima destinada a nunca ocupar o trono do Brasil.
Conquanto os móveis de ação da Princesa, nessa difícil emergência, tenham sido religiosos, a experiência mostrou mais tarde que ela procurou abrir para a monarquia o único caminho viável, que seria o da restauração religiosa do Brasil, única base sólida de todas as instituições humanas. Na realidade, a Princesa Isabel não agiu apenas como uma grande católica, mas ainda como uma estadista de larga envergadura.
Justifica-se, pois, nossa afirmação de que suas qualidades honrariam qualquer estadista católico.

* * *
Vejamos, agora, o 13 de Maio. Se há um gesto da Princesa Isabel em que preponderou a força das convicções religiosas, esse gesto foi o 13 de Maio. Nabuco contou, em entrevista concedida à imprensa do Rio naquela época, que foi à procura de Leão XIII, a fim de obter uma Encíclica contra a escravatura. Conhecedor profundo do coração católico da Princesa, Nabuco, que já conhecia a manifesta solidariedade que a ligava aos abolicionistas, não duvidava de que a palavra do Papa a moveria aos mais enérgicos lances para libertar a raça negra. A entrevista entre Leão XIII e Nabuco realizou-se. O relatório que dela fez Nabuco é memorável e mereceria uma longa análise. Digamos, porém, simplesmente, que o fruto da entrevista foi a resolução de Leão XIII de publicar quanto antes sua palavra de ordem a todos os católicos do Brasil. Data daí o memorável documento que hoje publicamos. Ele foi o móvel mais seguro da ação da Princesa Isabel. Encontrando nos seus sentimentos intensamente católicos e caritativos da Regente um eco profundo, as palavras do papa foram decisivas. A nobre e inteligente manobra de Nabuco fora bem sucedida. E o 13 de maio não tardou a vir.
Conta-se que quando se dirigia para a porta de saída do Palácio, na triste noite de 16 de Novembro, a princesa passou pela sala em que se encontrava a mesa na qual foi assinado o decreto de 13 de maio. E, num gesto de admirável firmeza católica, ela exclamou: “Ainda que a libertação dos escravos tenha sido a causa da queda do trono, não me arrependo por um só momento do que fiz; antes pelo contrário, repeti-lo-ia se necessário fosse”.
Qual o episódio da História do Brasil que seja mais belo? E, no entanto, quão poucos são os que se lembram neste momento do grande Papa e da grande Princesa que, de modo tão destacado, contribuíram para o 13 de Maio?
À margem destes fatos históricos, não podemos deixar de fazer uma reflexão. Em sua Encíclica, Leão XIII recomenda expressamente um regime de especial proteção espiritual e material ao elemento liberto, que muito teria a sofrer de uma liberdade repentina, como o Papa claramente acentuou.
Veio a República. Com ela, Da. Isabel foi atirada ao exílio e a influência da Igreja foi coarctada por todos os modos possíveis quanto à sua ação na esfera legislativa.
E a raça negra ficou sem o amparo que seria indispensável para que o 13 de Maio fosse para ela, na totalidade de seus efeitos, uma reparação benéfica simultaneamente imposta pela justiça e pela caridade.
E, hoje em dia, essa grande obra do reerguimento moral do negro ainda parece esquecida de muita gente, que acha divertido glorificar a abjeção das macumbas e dos candomblés, em lugar de trabalhar positiva e concretamente pela elevação do nível moral da raça negra.


Artigo “À Margem do 13 de maio” , de Plinio Corrêa de Oliveira

“Legionário”, No 296, 15 de maio de 1938